sábado, outubro 27, 2012

JOSÉ DIRCEU, DANIEL OU CARLOS HENRIQUE?

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.




JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, por seus advogados, nos autos da ação penal nº 470, vem, respeitosamente, apresentar MEMORIAIS.


1. Com o máximo respeito a esta Egrégia Suprema Corte, a Defesa registra seu inconformismo com a decisão condenatória e reitera a inocência do Requerente, passando, então, a uma necessária exposição de fatos relevantes para a aplicação do princípio constitucional da individualização da pena.


Referido princípio prevê sejam analisados os fatos da vida pregressa do sentenciado, posto que “o que se julga em um processo é, sobretudo, o homem acusado da prática de um ilícito penal e não um fato descrito isoladamente na denúncia ou queixa, de forma fria e técnica, o qual, por vezes, retrata um episódio único e infeliz em meio a toda uma vida pautada pelo respeito ao próximo.1”


1 DELMANTO, Celso. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar ... [et al.]. – 8. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010. art. 59, p. 273.


2. No caso de José Dirceu, a prova existente nos autos recomenda a aplicação da circunstância atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal.


A atenuante inominada prevista no artigo 66 do Código Penal deve sempre ser aplicada quando "existir uma causa efetivamente importante, de grande valor, pessoal e específica do agente”2. Sua incidência passa pela apreciação de uma gama variada de episódios, devendo ser aplicada quando “fatos anteriores à prática do crime”3 revelarem que o sentenciado praticou atitudes de relevante valor social 4.


Ilustrando o tema, o recente anteprojeto do Código Penal buscou explicitar parte do conteúdo desta atenuante, mantendo o conceito já aceito, mas definindo expressamente que a pena será atenuada quando o agente tenha, “voluntariamente, realizado, antes do fato, relevante ato de solidariedade humana e compromisso social”5.


A análise dos fatos relevantes da vida de José Dirceu se inicia na década de sessenta, quando era um dos líderes do movimento estudantil na luta contra um regime politico violentíssimo, que desrespeitava inúmeras garantias individuais e fazia uso da tortura.


Em 1.968 foi preso ao participar de um congresso estudantil, permanecendo encarcerado por quase um ano, quando então foi banido do país.


2 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, obra citada. p. 165, grifamos.
3 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral, 3.ed.rev., atual. e ampl.– São Paulo: Editora Revista os Tribunais, 2010. p. 623, grifamos.
4“Assim, independentemente da época de sua ocorrência, a pena poderá ser atenuada por circunstância relevante. Exemplo: anos antes de cometer um crime grave, ainda não julgado, o acusado arriscou sua vida para salvar vítimas de um incêndio ou desastre; após o cometimento de homicídio culposo no trânsito, o agente passa a dedicar-se a difundir as regras de trânsito em escolas.” DELMANTO, Celso. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar ... [et al.]. – 8. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010. art. 66, p. 307, grifamos.
5 Anteprojeto de Código Penal, artigo 81, inciso II, alínea “g”, disponível em :http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf


Segundo consta neste processo, José Dirceu é um homem que “dedicou sua vida à luta do povo brasileiro em defesa da democracia, defesa da liberdade, pagou preço alto por isso, foi preso, foi exilado” (José Aldo Rebelo, fl. 29.493, grifamos). É um cidadão que “lutou pela democratização do Brasil, pagando com o exílio” (Luis Inácio Lula da Silva, fls. 38.635, grifamos).


Na década de oitenta, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, agremiação política de inegável importância na consolidação da democracia brasileira.


Foi eleito Deputado Estadual por São Paulo e Deputado Federal pelo mesmo Estado, em três oportunidades, chegando a receber mais de quinhentos mil votos em uma única eleição. No Congresso Federal, atuou em diversas Comissões relevantes, como, por exemplo: Constituição e Justiça e de Redação, Finanças e Tributação, Relações Exteriores e de Defesa Nacional, Segurança Pública, Reforma Política e Desaparecidos Políticos Pós-1964.


Sua atuação o fez “reconhecido como um dos parlamentares mais eficientes e comprometidos” (Ideli Savatti, fls. 42.766)


Testemunhas asseguram que José Dirceu sempre “pautou sua militância e sua atividade pública pela correção e pela idoneidade no tratamento de todas as questões” (Paulo Adalberto Ferreira, fl. 42.366, grifamos).


Sua personalidade e conduta o fizeram “sempre respeitadíssimo, não apenas dentro do PT, respeitado na sociedade e respeitado pelos adversários, pela sua posição íntegra.” (Rubens Otoni, fl.42.892, grifamos).


Independente de qualquer valoração política ou ideológica, é fato incontestável que José Dirceu atuou por décadas em prol de importantes valores de nossa sociedade, participando corajosamente do movimento estudantil que lutava contra o regime militar, atuando com destaque na fundação de relevante partido político e, ainda, exercendo mandatos parlamentares com grande comprometimento e reconhecimento.


Portanto, a incidência do artigo 66 do Código Penal é de rigor, uma vez que a vida de José Dirceu apresenta inúmeros fatos de grande valor social que, no momento da fixação da pena, devem ser vistos como “uma causa efetivamente importante, de grande valor, pessoal e específica do agente”6.


3. Também para os fins pretendidos pelo artigo 59 do Código Penal faz-se necessária uma criteriosa verificação da vida pregressa de José Dirceu.


Uma correta análise do artigo 59 do Código Penal impõe uma avaliação do “agente, em qualquer nível (personalidade, conduta social, antecedentes, motivo), pelo que foi e fez antes do cometimento do delito em foco”7.


Os atos praticados ao longo da vida do agente são determinantes na ponderação das circunstâncias judiciais, uma vez que “a conduta social pretérita do réu espelha seu caráter e personalidade”, e, no momento da fixação da pena, “não há como fugir, nesse aspecto, de uma culpabilidade voltada aos fatos da vida e não simplesmente ao fato criminoso praticado.”8


6 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, obra citada. p. 165.
7 NUCCI, Guilherme de Souza, diretor. Direito penal, parte geral. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, (Coleção tratado jurisprudencial e doutrinário, v. 1), p. 881, grifamos.
8 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena., obra citada, p. 165, grifamos


4. No tocante ao delito de corrupção ativa, a pena incidente ao caso concreto deve ser a sanção estabelecida no patamar mínimo de 1 (um) ano, prevista no Código Penal antes do advento da Lei nº 10.763 de 12 de novembro de 2003.


Basta notar que a denúncia, quando descreve os delitos de corrupção ativa, afirma que os corruptores primeiro “ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias à diversos parlamentares federais” no intuito de obter apoio político (denúncia, fl. 95, grifamos).


Vale lembrar que a consumação do crime do artigo 333 do Código Penal se dá com o oferecimento da vantagem, e não com o efetivo pagamento, ou seja, “caso o agente ofereça ou prometa e, depois, venha a dar a vantagem indevida, a conduta de dar constitui mero exaurimento do crime, uma vez que este já se consumou com o oferecimento ou promessa”. 9


A denúncia, ao narrar o apoio político decorrente do oferecimento de vantagem pelos corruptores ativos, expressamente menciona a atuação de todos os parlamentares “na aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na sessão do dia 24/09/2003)” (denúncia, fls. 103, grifamos).


Portanto, a denúncia afirma taxativamente que todos os parlamentares já estavam corrompidos nos dias 27/08/2003 e 24/09/2003. Estas datas, conforme a acusação aceita por esta Corte, ilustram o apoio político prestado após o aludido oferecimento de vantagem indevida.


9 DELMANTO, Celso. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar ... [et al.]. – 8. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010. art. 59, p. 952.


A estrutura narrativa da denúncia oferece uma única conclusão logicamente possível, no sentido de que o suposto oferecimento de vantagem ilícita, para todos os parlamentares, se deu em data anterior aos dias 27/08/2003 e 24/09/2003.


Assim, por força da irretroatividade da lei penal mais gravosa, não se pode aplicar ao caso concreto as penas da Lei nº 10.763 de 12 de novembro de 2003.


5. Diante do exposto, requer-se a aplicação da circunstância atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal, a valoração das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal em favor do Requerente e a inaplicabilidade da Lei nº 10.763 de 12 de novembro de 2003.


Termos em que,
Pede deferimento.


De São Paulo para Brasília,
Em 22 de outubro de 2.012.


JOSÉ LUIS OLIVEIRA LIMA 
  OAB/SP 107.106                                                                                                                       


RODRIGO DALL’ACQUA
   OAB/SP 174.378
______________________________________________________

Solicitação toda baseada nas teses do ministro Lewandowski apresentadas na AP 470. Se for acolhida, sou legalista, contribuinte, eleitor, e me conformo com as decisões da justiça. Cumpra-se.

Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância 

relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista 

expressamente em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Citado por 1.026


REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA DA PENA. TERMO MÉDIO. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO. ATENUANTE INOMINADA (ART. 66 DO CÓDIGO PENAL).DESCABIMENTO.66 CÓDIGO PENAL- A Revisão Criminal objetiva a desconstituição de uma sentença condenatória transitada em julgado e deve ficar adstrita às hipóteses taxativas enumeradas na lei (art. 621 do CPP). Impossibilidade de reavaliação do peso atribuído às circunstâncias judiciais relacionadas no art. 59 do Código Penal, principalmente quando não demonstrada injustiça flagrante na fixação do quantum da pena. Hipótese em que as circunstâncias judicias desfavoráveis autorizaram a elevação da pena-base próxima ao termo médio.Inexistência de circunstância relevante à aplicação da atenuante inominada, prevista do artigo 66 do Código Penal.621 CPP 59 Código Penal 66 Código Penal

JOÃO FIGUEIREDO
Ibrahim Abi-Ackel
DOU 13/07/1984
(35902 RS 2005.04.01.035902-1, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 16/03/2006, TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 05/04/2006 PÁGINA: 407)


                                                   

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